segunda-feira, 26 de outubro de 2015




円相

Esvaziando a xícara.

Este blog foi criado com o objetivo de documentar e compartilhar as minhas experiências como aprendiz de karatê após os 35 anos, vindo de uma outra arte marcial igualmente rica em disciplina e conhecimento, mas essencialmente bem diferente.

Fui judoka desde criança, me iniciei nos tatames aos 6 ou 7 anos, lembro até hoje do meu primeiro kimono, um Nakano. Nunca esqueci os dizeres da etiqueta: "Quem teme perder já está vencido". Tive o privilégio de ser aluno de um grande Sensei, hoje 6º Dan, extremamente respeitado e até hoje meu amigo. O judô me acompanhou durante toda a vida, até agora. Quando tinha 17 anos, deixei os treinos para me dedicar à universidade, e periodicamente voltava a treinar, mas por outras razões que variavam, volta e meia deixava os treinos novamente. Nessas idas e voltas, também experimentei alguns treinos de Jiu Jitsu e Boxe, nos inícios dos anos 90, antes mesmo de "entrarem na moda", serem praticados por muitas pessoas e de maneira mais voltada para o condicionamento físico.

Porém, eu sempre tive curiosidade de praticar o Karatê. Quando criança, minha família não aprovava a idéia, pois meu pai também havia sido judoka, aluno de professores japoneses no Rio de Janeiro do início dos anos 70, e além disso meus pais consideravam o Karatê uma arte não suave. Posteriormente, quando eu já possuía idade suficiente para tomar minhas decisões, já estava bem graduado no Judô, no final estudando para o exame de 1º Dan, e sempre que me dispunha a voltar à prática de arte marcial, me condicionava a fazê-lo voltando àquele dojô. Da última vez que voltei, simplesmente não me adaptei às novas regras que vinham sendo impostas, as proibições de ataques diretos de mãos às pernas, uma série de restrições de pegadas no kimono, e a visão quase que exclusivamente competitiva, olímpica. Isso não desmerece em absoluto o esporte, mas eu sentia falta de uma prática mais tradicional, mais marcial no sentido estrito do termo, o que se somou ao fato de eu estar tendo lesões nos treinos com freqüência, ao ser projetado.

Demorou bastante. Anos. Décadas. Mas finalmente me chegou à mente a pergunta que faltava: "Afinal, por que não treinar Karatê?".

Mesmo cheio de dúvidas sobre minhas próprias aptidões sobretudo pela idade, uma vez que já não me considero tão jovem para iniciar, busquei então um dos professores mais reconhecidos da cidade, talvez o mais experiente (buscar um Sensei preparado, que tenha uma boa mentalidade e um dojô regular e federado é fundamental em qualquer arte), e me matriculei em sua academia, da qual eu sempre ouvira falar. O Sensei me recebeu com muita cordialidade, esclareceu minhas dúvidas e a partir de então eu começaria a treinar com ele.

Me lembro que desde os primeiros passos no judô havia duas academias principais na cidade; ambas ofereciam musculação, aeróbica, etc. sendo que uma delas oferecia o judô, onde iniciei nessa arte, e a outra karatê, ministrado por esse mesmo professor, que viria a ser o meu Sensei. A curiosidade era grande, de pisar naquele assoalho de madeira corrida e lustrosa, tão diferente dos tatames verdes de palha que então ainda se usavam, assim como as duas artes são bem diferentes entre si. Pelo visto, eu estava mesmo destinado a treinar ali; aproximadamente 30 anos depois.

Na adolescência, havia lido um livro chamado Zen in Martial Arts, de um escritor americano chamado Joe Hyams, que fora aluno de Ed Parker, Bruce Lee, Bong Soo Han e outros mestres que se estabeleceram nos Estados Unidos nos anos 70. Num determinado capítulo, ele conta como Lee lhe falara da máxima Zen "esvazie sua xícara, ou não poderá enchê-la com chá novo". Foi o que fiz. Mesmo bem graduado no Judô, me dispus a esvaziar a xícara e voltar a usar uma faixa branca, retornando ao início e iniciando um novo ciclo de aperfeiçoamento através de uma arte marcial nova para mim. Um novo ciclo desta vez não de retorno a algo conhecido, mas sim de um novo ponto inicial, como o círculo que é estudado no Zen.

Daí a imagem deste post. Ensō (円相), é uma palavra japonesa que quer dizer círculo, símbolo associado ao Zen Budismo.Esse símbolo engloba as idéias de iluminação, força, elegância, o universo e o vazio, sendo uma ilustração típica da estética oriental, sobretudo japonesa. Tudo volta ao início, e o vazio é necessário para que se atinja a iluminação pelo conhecimento.

Osu

Nenhum comentário:

Postar um comentário